PEQUENOS FRAGMENTOS DE ALGO:
Guerra
Os
homens se matam. As baratas comemoram.
Viver
Comer,
trepar, dormir. O resto é enganação.
Feliz Ano
Velho
Fim
de ano. Na TV, reprises. Na vida real, idem.
Faxina
Rasga
a foto tirada daquele passeio inesquecível
Agora
a faxina do quarto está finalmente completa.
Nobre ou Qualquer Hora é Hora ou A Vida Não
Tem Eufemismos
Ele está demorando demais lá dentro,
comentavam.
Pobre coitado. Morreu enquanto
defecava.
O eu interior
Do apêndice me livrei. O rim vendi. O
coração entreguei para meu amor. Do cérebro nada fiz. Ele não é meu. Desde
pequeno pertence às grandes corporações.
Apóstrofe
- Você é um fracassado. Por que ainda
escreve?
- Tens razão, sou um fracassado, e é
exatamente por isso que escrevo. Para me certificar de que, apesar de tudo,
ainda estou vivo.
Prêmio
Um homem mata e ganha uma medalha. Um
homem mata e rouba uma medalha. Um homem vende uma medalha e morre. Um homem
vive criando medalhas. Um homem vive matando. A morte ganha uma medalha. Uma
medalha mata um homem e vive.
Doença
A vida naquele planeta se torna
insustentável. O homem-vírus encontra outro. O homem-vírus se hospeda e se
multiplica. O planeta não estava vacinado, adoece [e prostra-se inerte]. O
homem-vírus parte.
Baque
Oh, meu Deus, o sangue que escorre de
sua jugular..
Ver seu sangue escorrer me faz vomitar. Sinto
vertigem, sento no chão. Não posso ver sangue, passo mal, desde criança. É por
isso que sempre preferi estrangular minhas vítimas.
Apóstata
Antes do sol nascer, começa o processo de
limpeza. O tronco e as roupas enterra no lixão abandonado. Os braços e as
pernas joga no córrego. “Eu te amava tanto”, diz olhando para a cabeça, “por
que você fez aquilo?” Coloca no congelador do freezer. Depois vai trabalhar.
Reflexos
Disse que eu era bonita, me chamou pra
tirar umas fotos. De repente, estava em cima de mim. O delegado me ouvia de
olhos ávidos. O psicólogo me pediu para fechar os olhos e lembrar minha
infância. Então pousou a mão sobre minha coxa. Hoje o grande espelho do quarto
não reflete mais minha imagem.
O princípio do meio
O triste fim se inicia no meio. No meio
da vida, percebeu que não tinha a eternidade sob seu controle. Ao meio o coração
se dividiu quando a paixão de sua vida decidiu partir. Meias palavras lhe foram
ditas pelo chefe antes da dispensa. Bem no meio sua espinha se parte ao som de
uma freada brusca que veio tarde demais. No meio da rua, mais um corpo em
contraste com o meio.
Brasiane
Todo mundo come carne. Brasiane é
vegetariana. Todo mundo tem celular. Brasiane não tem. Todo mundo acredita em
Deus. Brasiane é ateia. Todas as mulheres são vaidosas. Brasiane não é. Todo
mundo gosta de cinema, sexo e pizza. Brasiane não gosta. Mas todo dia Brasiane
sorri orgulhosa. Porque ela é Brasiane. Todo mundo não é.
Vida e Obra De
William Shakespeare queria ser
escritor. Mas o nome não permitia. Perguntou ao seu João, seu pai, por que o
havia crucificado. Tá maluco, meu filho? Ler é fundamental, mas ser escritor?
No mundo de hoje não dá pra sobreviver assim. Depois que for um advogado, um dentista,
um engenheiro, aí sim você pensa nesse negócio de escritor. Tá achando que
nasceu em berço de ouro?
Basicamente Amor
Durante meses tentou conquistá-la, mas
sempre rejeitado. Um dia ela te deu um beijo no rosto. Gostava de você, mas só
como amigo. Outro dia não resistiu. Uma pancada certeira e fatal na cabeça.
Antes do corpo esfriar, rasga sua roupa e faz tudo. Uma gozada de alívio.
Sangue e porra no chão. Depois se pergunta o que fazer agora. Acabou com a vida
dela, acabou com sua vida. Uma história de amor básica.
Monumento
Foi tão bonito aquele dia. Foi até sua
casa e deixou assistí-la defecar. A face levemente contraída por um leve
esforço, o ruído da batida da bosta na água, tudo tão maravilhoso. Não, não dê
descarga, você disse. Correu até o vaso e ficou a contemplar aquele monumento,
perfeitamente esculpido, obra magnífica daquele ânus. É a merda mais linda que
eu já vi em toda a minha vida, você disse. Ela corou e sorriu. De recordação
pegou um pedaço e guardou num potinho. Agora um pouco dela andará sempre com você.
Nada de fotos se pode ter uma recordação muito mais consistente. O resto ficará
lá, flutuando solene para todo o sempre. Aquela privada nunca mais conhecerá
descarga.
Overdose
Demência? Não, não, é uma coisa assim
tipo... tipo... não, não, estava na mente há um segundo, eu ia escrever, mas
distraí com um helicóptero que passou (não, não, que palavra feia, helicóptero,
por que não foi uma asa delta, por que eu não moro no pão de açúcar, não, não,
não vou fazer propaganda daquela merda, podia ser outra praia, cabo frio, porto
seguro, tudo uma merda, onde vivo também é uma merda (fecha os parênteses,
porra, não abre outro não, fecha e liquida o assunto)). Tudo bem... ... ...
não, não, a inspiração se foi, não sai nada, preciso atiçar mente, preciso de
drogas. Drogas!!!! Celular? Não, uma menos viciante. Cogumelo? Heroína? Boa!
Ei, o cara lá, o cara que vende na praça! Ei, ô da droga, chega aí, chega aí, ô
da droga!! Rápido, rápido!!! Corre, porra!!!! Ele olha pra minha roupa antes de
falar o preço, meus sapatos novos, terno armani alugado, óculos ray-ban
roubados. Vai querer quanto, gente fina? Só o suficiente pra uma overdose!
Fantasias eróticas de
um masoquista
Estou morto. O sol se encarrega de
assar meus restos, mas paciência não é virtude dos abutres. Cru é ainda melhor.
Eles rondam, perscrutam, sorriem e se aproximam. Sinto seus bicos rasgarem
minhas vestes. Nebulosos olhares de desejo. Ímpeto, volúpia, orgia. Várias das
aves carniceiras salivam de ânsia em meu rosto. Corpo suado e molhado, roupas
em pedaços. Em minutos, apenas alguns poucos exemplares de trapos me recobrem.
Um bica meu olho, outro puxa a orelha. Na boca, um beijo guloso que leva
gengiva e língua. Pele e músculos dilacerados, ossos chupados, o sangue a terra
sorve. Banquete voraz, gozo supremo. Dois deles brigam para ver quem fica com
os testículos. O vencedor abocarra toda a bolsa escrotal de uma vez, mastigando
devagar, o pênis se parte em estalos túrgidos. Insaciáveis, não deixam sobrar
nada além dos ossos. O festim só acaba quando sou um esqueleto, e eles partem,
aliviados, cheios, inebriados pelo orgásmico ritual de conquista.
Estou vivo. Deitado na cama. Por que acordar de
um belo sonho é tão cruel?