Erik tinha um super poder. O poder da derrota. Perdia sempre. Qualquer
disputa, qualquer competição.
Imagine alguém que jamais ganhou qualquer jogo, nem mesmo um par ou
ímpar, ou cara e coroa. Qual a probabilidade de alguém perder sempre no cara ou
coroa? Sempre! Erik jamais ganhou um par ou ímpar em toda a sua vida! Como pode
isso?
A infância de nosso herói foi bem difícil. As crianças modernas são
competitivas e cruéis. Aquele que só perdia em todas as brincadeiras e jogos
obviamente sofria um bocado. Era ridicularizado, agredido e sacaneado de mil
maneiras.
Erik gostava de jogar bola, mas os meninos do bairro e da escola logo
perceberam que o time em que ele estava sempre perdia. Sempre! E Erik nem era
um perna de pau, jogava bem, mas não tinha jeito. Seu time era sempre o
derrotado. Garotada não aceitou mais que ele jogasse, já que todos se recusavam
a ser do seu time.
Nas aulas de educação física, a mesma sina. Basquete, vôlei, handebol, ele
às vezes até fazia muitos pontos, mas o resultado final... Na corrida, várias
vezes chegou em segundo, mas primeiro... Jamais.
A adolescência foi só depressão. Erik não via futuro, apenas o eterno
fracasso lhe esperava. Não conseguia entender como podia perder sempre em
qualquer coisa, não fazia sentido, era contra a lógica e a probabilidade.
Tentou aprender a trapacear no baralho, mas nem assim ganhava, ou a trapaça era
descoberta. Diariamente jogava paciência pra quebrar aquele tabu, mas nem em
jogos solitários conseguia sair vencedor, nunca conseguia completar com sucesso
um simples jogo de paciência.
Drama maior veio no início de sua fase adulta. Prestava vestibulares
para os menos concorridos cursos das piores faculdades, mas era reprovado em
todos. Não adiantava estudar. E o pior: não conseguia emprego, era eliminado em
qualquer seleção. Em tudo que contivesse um mínimo caráter competitivo, o
resultado era sempre o mesmo: o completo fracasso.
Por fim, decidiu simplesmente parar de tentar. Não competia mais, em
nada. Desistiu de jogar, desistiu de tentar conseguir emprego ou dinheiro.
Passou a sobreviver através da misericórdia de alguns vencedores, conhecidos ou
parentes, que lhe jogavam algumas migalhas por pena.
Nessa toada, Erik procurou algumas entidades sem fins lucrativos de
ajuda humanitária para tentar ser útil de alguma forma para outras pessoas. Muitas o recusaram já que ele não tinha posses ou renda para
colaborar. Mas para sua surpresa, outras o aceitaram. Ali se encontrou, pela
primeira vez na vida o que fazia dava certo, afinal não existia qualquer competição
no trabalho voluntário, muito pelo contrário. Sua vida passou a ser apenas
ajudar a quem precisasse de qualquer ajuda, e encontrou uma inimaginável
satisfação. Ignorando totalmente qualquer ambição pessoal, estranhamente estava
realizado. Não precisava de mais nada. Não pensava mais em vitórias. Era um
derrotado feliz.
Depois de alguns anos em uma rotina de autorrealização, uma desagradável
surpresa. Dores no corpo passaram a substituir as dores morais que não mais
sentia. A consulta ao médico revelou o pior. Doença terminal. Provavelmente
apenas mais alguns meses de vida. Então é isso, pensava Erik, em breve minha
derrota final. Aproveitou bem esse tempo, o que consistia simplesmente em
continuar o trabalho de caridade que vinha fazendo, era o que o fazia feliz.
Meses depois, conversando com um de seus melhores amigos, confessou sentir que
a hora se aproximava e especulava como seriam seus últimos momentos. Devia se
alistar no exército do Grande Império, brincou o amigo, afinal se você sempre
perde, quem sabe isso não causa o fim do Império. Um brilho percorreu o rosto
de Erik: sim, isso mesmo, você está certo, a última boa ação.
O amigo tentou convencê-lo de que aquilo não fazia sentido, estava brincando,
mas para Erik fazia todo sentido. Estava convicto. Dias depois, despediu-se de
todos os conhecidos e se alistou nas fileiras do poderoso Império.
O resultado foi o esperado. Nosso herói nunca falhava. O Império ruiu.
Os então imbatíveis vencedores desmoronaram, e o mundo percebeu que não
precisava deles.
Erik foi sepultado como herói. Certamente ele nunca sonhara em ser
reconhecido como tal e nem aceitaria tal título, pois não acreditava em heróis.
Super herói ou não, indiscutível era que Erik de fato possuía um
surpreendente e grandioso super poder.
Nenhum comentário:
Postar um comentário