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quinta-feira, 5 de março de 2015

SUPER ERIK


Erik tinha um super poder. O poder da derrota. Perdia sempre. Qualquer disputa, qualquer competição.

Imagine alguém que jamais ganhou qualquer jogo, nem mesmo um par ou ímpar, ou cara e coroa. Qual a probabilidade de alguém perder sempre no cara ou coroa? Sempre! Erik jamais ganhou um par ou ímpar em toda a sua vida! Como pode isso?
A infância de nosso herói foi bem difícil. As crianças modernas são competitivas e cruéis. Aquele que só perdia em todas as brincadeiras e jogos obviamente sofria um bocado. Era ridicularizado, agredido e sacaneado de mil maneiras.

Erik gostava de jogar bola, mas os meninos do bairro e da escola logo perceberam que o time em que ele estava sempre perdia. Sempre! E Erik nem era um perna de pau, jogava bem, mas não tinha jeito. Seu time era sempre o derrotado. Garotada não aceitou mais que ele jogasse, já que todos se recusavam a ser do seu time.

Nas aulas de educação física, a mesma sina. Basquete, vôlei, handebol, ele às vezes até fazia muitos pontos, mas o resultado final... Na corrida, várias vezes chegou em segundo, mas primeiro... Jamais.

A adolescência foi só depressão. Erik não via futuro, apenas o eterno fracasso lhe esperava. Não conseguia entender como podia perder sempre em qualquer coisa, não fazia sentido, era contra a lógica e a probabilidade. Tentou aprender a trapacear no baralho, mas nem assim ganhava, ou a trapaça era descoberta. Diariamente jogava paciência pra quebrar aquele tabu, mas nem em jogos solitários conseguia sair vencedor, nunca conseguia completar com sucesso um simples jogo de paciência.

Drama maior veio no início de sua fase adulta. Prestava vestibulares para os menos concorridos cursos das piores faculdades, mas era reprovado em todos. Não adiantava estudar. E o pior: não conseguia emprego, era eliminado em qualquer seleção. Em tudo que contivesse um mínimo caráter competitivo, o resultado era sempre o mesmo: o completo fracasso.

Por fim, decidiu simplesmente parar de tentar. Não competia mais, em nada. Desistiu de jogar, desistiu de tentar conseguir emprego ou dinheiro. Passou a sobreviver através da misericórdia de alguns vencedores, conhecidos ou parentes, que lhe jogavam algumas migalhas por pena.

Nessa toada, Erik procurou algumas entidades sem fins lucrativos de ajuda humanitária para tentar ser útil de alguma forma para outras pessoas. Muitas o recusaram já que ele não tinha posses ou renda para colaborar. Mas para sua surpresa, outras o aceitaram. Ali se encontrou, pela primeira vez na vida o que fazia dava certo, afinal não existia qualquer competição no trabalho voluntário, muito pelo contrário. Sua vida passou a ser apenas ajudar a quem precisasse de qualquer ajuda, e encontrou uma inimaginável satisfação. Ignorando totalmente qualquer ambição pessoal, estranhamente estava realizado. Não precisava de mais nada. Não pensava mais em vitórias. Era um derrotado feliz.

Depois de alguns anos em uma rotina de autorrealização, uma desagradável surpresa. Dores no corpo passaram a substituir as dores morais que não mais sentia. A consulta ao médico revelou o pior. Doença terminal. Provavelmente apenas mais alguns meses de vida. Então é isso, pensava Erik, em breve minha derrota final. Aproveitou bem esse tempo, o que consistia simplesmente em continuar o trabalho de caridade que vinha fazendo, era o que o fazia feliz. Meses depois, conversando com um de seus melhores amigos, confessou sentir que a hora se aproximava e especulava como seriam seus últimos momentos. Devia se alistar no exército do Grande Império, brincou o amigo, afinal se você sempre perde, quem sabe isso não causa o fim do Império. Um brilho percorreu o rosto de Erik: sim, isso mesmo, você está certo, a última boa ação.

O amigo tentou convencê-lo de que aquilo não fazia sentido, estava brincando, mas para Erik fazia todo sentido. Estava convicto. Dias depois, despediu-se de todos os conhecidos e se alistou nas fileiras do poderoso Império.

O resultado foi o esperado. Nosso herói nunca falhava. O Império ruiu. Os então imbatíveis vencedores desmoronaram, e o mundo percebeu que não precisava deles.

Erik foi sepultado como herói. Certamente ele nunca sonhara em ser reconhecido como tal e nem aceitaria tal título, pois não acreditava em heróis.

Super herói ou não, indiscutível era que Erik de fato possuía um surpreendente e grandioso super poder. 

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