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domingo, 23 de janeiro de 2022

A PESSOA QUE NÃO EXISTIA

 

A PESSOA QUE NÃO EXISTIA



Sua pena é a não existência. 


Está sempre relembrando aquele fatídico dia. Aquela condenação caiu como uma guilhotina decepando seu espírito. As pernas falharam. O guarda ao lado nenhuma menção de amparar, afinal, a sentença era de cumprimento imediato, não existia mais, o guarda não tinha o que segurar. Caiu de joelhos, em prantos. Procurou a família, que chorava copiosamente. Os adultos tentavam explicar para as crianças, confusas, que você não existia mais. 


O juiz encerrou a seção e determinou que todos se retirassem. 

Seu advogado guardou seus papéis e passou por você, pisando no seu pé sem pedir desculpas.

Aos poucos, o tribunal foi sendo deixado por figuras tristes que se arrastavam ou funcionários que cumpriam sua rotina. Apenas permaneceu ali caído de joelhos a pessoa que não mais existia. 

Ficou ali um longo tempo. 


Após horas, ou teriam sido dias, quem sabe, até que o faxineiro apareceu. Tentou conversar, mas ele apenas molhou o esfregão no balde e o lançou no chão, esfregando em movimentos rítmicos e cadenciados, sem muita pressa. Não adiantava. Em Cidadópolis, todos cumprem a lei. É por isso que essa região é tão desenvolvida e segura.


 Você finalmente se arrastou para a rua, onde ficou. Sem lugar, sem ninguém. Até chegou, num impulso, a ir até a casa em que morara, na época em que existia, mas não era mais sua casa. Não tinha mais casa, nem família, nem amigos. Todas as suas coisas haviam sido tomadas.

 Todos os conhecidos agora eram desconhecidos. Todos te ignoravam. 


Pelo menos a comida e outros itens de necessidade havia ficado fácil. Apenas pega o que quer nos estabelecimentos e sai. Às vezes tem alarme que dispara, mas o pessoal considera um defeito do aparelho, afinal só havia você ali passando, ou seja, ninguém.


 Invadiu uma casa abandonada, ao menos não tinha que pagar. Aliás, dinheiro de nada mais servia, o que não era uma coisa ruim.


Às vezes, pra relaxar, sacaneia as outras pessoas na rua, as que existem. Você empurra alguém, que olha em volta, procurando o agressor e gritando confuso: quem fez isso? Outro empurrão: mas o que está acontecendo? Até que a pessoa que existe sai correndo, amedrontado. Até que é divertido.


Talvez devesse aproveitar a situação e se vingar de todos. Mas não poderia. Está mais pra Gasparzinho, fantasma camarada, do que pra fantasma de filme de terror. Mas da casa que invadiu não sairia mais, assombraria qualquer um que tentasse tomar posse.


Então, um dia, andando pela rua, o susto. Um cão latindo pra você. Olha pra trás, não há mais ninguém, mais nenhum outro animal, mais nada.

Aquele cachorro está mesmo latindo pra você? Sim, é pra você, ele está olhando e rosnando na sua direção. Mas como se você não existe? É algum cachorro sobrenatural? Ou será que os animais de fato conseguem perceber o oculto, como acreditam alguns?  Você se afasta, hesitante, sente um medo que jamais sentiu, não sabe pra onde, mas precisa fugir fugir fugir...


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