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SOU O QUE SEREI

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

APENAS MAIS UMA NOITE SEM FIM

(por: Fenilisipropilamina Man)

Acordo às 3 da manhã. Decido sair. Pego um táxi. "Pra onde, senhor?" "Direita." "Mas pra qual bairro o senhor deseja ir?" "Quero ir pra direita, porra. Já disse." Depois de virar pergunta: "E agora, senhor?" "Eu mandei parar? Ou virar?" "Não, senhor." "Então segue em frente." Porra, taxista burro do caralho. Ele se mantem impassível e educado. Ou está absolutamente acostumado com bêbados, ou está com medo de eu ser algum maloqueiro bandido e não quer correr o risco de ser roubado ou morto. Não ficaria surpreso de ele me imaginar um bandido. Minha aparência deve estar péssima. Tem mais de uma semana que não me olho num espelho. Acho que se me ver nem me reconheço. Uma ex-namorada dizia que tenho cara de cachaceiro. Qualquer um que olha pra mim percebe que sou cachaceiro, dizia ela. Segundo ela, todos os cachaceiros tem uma fisionomia de cachaceiro, não dá pra esconder. Era a coisa que ela mais odiava em mim, a cara de cachaceiro, pior que o bafo. Bom, ela agora é ex, então dane-se. Um noticiário noturno no rádio comenta sobre os jogos de futebol do fim de semana. O taxista puxa assunto: "Esse ano tá bem disputado, né? Vai ser assim até o final. Torce pra algum time?" "Sim, Náutico Capiberibe." "Então você é pernambucano?" "Não, paulista." "Ah."
Existe coisa mais sem graça que ser paulista? Se você é mineiro, as pessoas abrem aquele sorriso: puxa, adoro Minas, meu pai, meus 12 tios e 35 primos meus são de lá, adoro a culinária e a cachaça mineira. Se você é carioca: adoro passear no rio, as praias, as festas, a putaria. Se você for nordestino, todos adoram o clima, o espírito festivo. Se é do sul, todos adoram a qualidade de vida e as belas mulheres. Mas se você é paulista, as pessoas dizem apenas: "ah!" Quase soltam um “puxa, sinto muito.” Passamos por um quarteirão movimentado, o carro pára no sinal. Ao lado, uma puta, feia como o inferno, me olha com interesse. Atrás dela, um boteco copo-sujo, onde um bêbado gorducho acabado conversa alegremente com outra puta medonha. Me atordoa um lampejo de estranha lucidez e começo a falar, não sei se pro taxista ou pra mim mesmo. "Sabe, nos últimos 5 anos sempre transei totalmente chapado. Entende o que isso significa? Tem 5 anos que não me lembro de nenhuma trepada que tive." O taxista continua cortês e amigável: "Puxa, triste isso." "É. Ou não." Minha cabeça pesa. Sinto um sono repentino. Cabeceio um pouco, mas não vou dormir.

Acordo em uma calçada. Uma rua vazia. Que lugar é esse? Não me lembro de nada. Como cheguei aqui? Parece ser tarde da noite. Vamos lá, lembre, porra, o que estava fazendo? Lembro que fui numa festa com o Silverado. Ele estava de carro e me daria carona. E então... filho da puta, me largou no meio da rua. Aproveitou que eu estava chapado. O escroto sempre reclamou de que moro longe. Passo a mão nos bolsos. Sem carteira, sem nenhum dinheiro. E ainda me roubou, o filho da puta. Encontro o celular. Ligo pra ele. Como minha cabeça pesa. "Alou." "Silverado? Filho da puta. Por que me largou na rua?" "O quê? Tá maluco, porra?" "Alou. Alou." Desligou, cretino do caralho. Cambaleio pela rua. Deve ser alta madrugada. Vejo dois lixeiros na esquina recolhendo os restos de porcarias inúteis. O trabalho mais enriquecedor que existe é o de lixeiro. O lixeiro vê o mundo como realmente é: um amontoado de lixo. Tropeço no nada, caio sentado na calçada. Parece que alguém grita meu nome. Que vontade de dormir.

Acordo. Do lado da cama uma garrafa de pinga. Vazia, claro. Se não está na minha mão, logicamente está vazia. Levanto da cama, nu. Está frio. Abro as gavetas procurando uma cueca. Cadê minhas cuecas, porra? Que roupas são essas? Só tem calcinhas, sutiãs, shortinhos. Só então percebo que aquele guarda-roupa não é o meu. Esse quarto não é o meu. Que merda de lugar é esse? Então ela surge na porta. Rolina. Me abraça e me dá um beijo. "Oi, já levantou? Amor, essa noite foi maravilhosa. Eu achei nossa melhor transa de todas." "Eu também achei, pitchula." "Onde aprendeu a fazer aquilo?" "É... eu vi num filme." Rolina é minha namorada há 3 anos. Não me lembro de nenhuma das nossas transas. Nem imagino o que fizemos, se foi bom ou não, se ela é boa de cama ou uma mosca morta. "Se arruma aí pra gente ir." "Ir onde?" "Já esqueceu, porra? Vamos almoçar na casa da minha irmã." "O quê? Por quê?" "Porque você prometeu, porra." "Prometi nada." "É sempre assim, seu filho da puta. Você nunca faz nada do que quero." Olho ao redor, no chão, nos cantos, e no criado-mudo, procurando alguma bebida. Nada. Que merda. Volto a deitar na cama. "Tou cansado, vamos dormir." "E você faz outra coisa? Tem dois dias que não sai dessa cama. Quer saber de uma coisa? Pra mim chega." Ela abre o guarda-roupa e começa a jogar todas as roupas na cama. Depois pega uma mala grande debaixo da cama e coloca a roupa lá. "O que está fazendo?" "Eu vou pra casa da minha irmã e não volto mais. Você que fique aí." Ela enche outra mala e sai carregando as duas com dificuldade. "Adeus." Depois de alguns segundos ouço a porta da frente bater num estrondo. Ela briga comigo e vai embora de sua própria casa. Por que só namoro essas malucas?

Durmo até de noite. Quando acordo, vou até o banheiro e lavo o rosto. Me vejo no espelho. Rolina tem um grande espelho sobre a pia. Estou ficando careca. É melhor eu aparar essa barba qualquer dia. Que cicatriz é essa na testa? Passo a mão, tá totalmente cicatrizada, mas deixou uma marca violenta. Parece que foi um corte profundo. Vou pra casa. Procuro minha roupa, mas não acho. A vadia levou minha roupa também? Ouço meu celular tocando. Tá na cômoda. "Alou." "E aí, maluco? Bora chapar? Tou com umas paradas da hora aqui." "Quem tá falando? É o Ogro?" "É." "Chega aí, maluco. Tou na casa da Rolina. Mas traz umas roupas, a piranha me largou pelado aqui." Volto a deitar enquanto espero o Ogro.

Acordo com frio. Tou na calçada. Fim de madrugada. Uma poça de vômito do meu lado. Ainda bem que sempre durmo de lado. Levanto com dificuldade. Puta merda, tou todo quebrado. Tou de frente pra porta do meu prédio. Menos mal. Será que cheguei sozinho aqui? Não me lembro pra onde saí essa noite. Como minha cabeça pesa. Espere, eu estava com algum maluco. O Silverado. Isso, ele me chamou pra uma festa. Filho da puta, porque não me jogou dentro de casa? Procuro as chaves nos bolsos. Nada. Aliás, nada de nada nos bolsos, só meu celular. Porque aquele filho da puta me largou aqui sem nada? Espero que algum dos caras esteja no apê. Aperto o interfone. Aperto de novo. E de novo, com força. Seguro o botão direto, por uns três minutos. Até que um estalo, e a porta abre. Pego o elevador, chego em casa, a porta está destrancada. Na sala e na cozinha, ninguém. Fome. Acho que vou cozinhar qualquer porcaria. Abro os armários, nenhuma panela. Cadê as panelas, caralho? Já vi, todas na pia. Na pia e no chão. Quando a pia encheu, começaram a largar as panelas e pratos sujos no chão. Por que ainda moro com esses malucos inúteis?

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