Desde os anos 90, Petter Baiestorf se firmou como o grande nome do cinema trash transgressor marginal nacional com sua Canibal Filmes. E é muito bom constatar que após quase 20 anos passados do seu primeiro filme, ele continua com o mesmo espírito. O Doce Avanço da Faca tem tudo que aprendemos a amar nos filmes da Canibal: personagens caricaturais, sangueira, mortes toscas, forte ironia crítica, e muita sacanagem. É provocante e provocativo, seguindo a linha de Vadias do sexo Sangrento, de 2008.
Filmado em apenas 5 dias, no bucólico cenário de Palmitos / SC, é um média metragem sobre o apaixonado e despojado casal Rerinelson (Coffin Souza) e Ana Clara (Gisele Ferran) que, por suas atitudes e crenças tidas como obscenas, despertam a ira de seus vizinhos fanáticos religiosos.
A maior inspiração recente para o Doce Avanço foi Machete, de Robert Rodriguez. Mas aqui temos Gisele Ferran desempenhando o papel da caçadora com facas. E, convenhamos, por mais que Danny Trejo seja uma figura lendária de Hollywood, Gisele fica muito mais interessante nesse papel. E ela realmente rouba a cena, completamente à vontade (e como), com atuação segura em todo o filme, transitando com facilidade de uma ternura maliciosa para uma sede sanguinária de vingança. Aliás, onde é que o Baiestorf arruma tantas musas de tanta desenvoltura para seus filmes?
As demais atuações também são bem eficientes, hilárias e exageradas na medida certa para a proposta do filme, com destaque para o trio Coffin Souza, Ellio Copini e Jorge Timm, que acompanham Baiestorf desde o início de suas produções e com ele atingiram um alto grau de entrosamento. Tudo está bem encaixado, desde as ótimas inserções sonoras, que dão um tom cômico nas cenas mais ousadas, até o trabalho de direção e fotografia, que proporciona interessantes enquadramentos e cenas bem conduzidas. É visível a evolução técnica do diretor e sua equipe após esses anos de estrada, mas sem nunca deixar de lado a tosqueira e a forma visceral e despojada de filmar.
Um tema que é preciso destacar nessa produção é a interlinguagem. Rerinelson é um desenhista de Histórias em Quadrinhos eróticas, e em certo momento do filme temos uma verdadeira exposição de seus desenhos sado-masoquistas, enquanto Ana Clara recita versos ultra-sacanas. Uma boa sacada que sem dúvida proporciona um diferencial, constituindo um pequeno filme dentro do filme, que pode até ser visto de forma independente. Os criativos e ousados desenhos são de autoria de Leyla Buk, em homenagem principalmente ao estilo de Carlos Zéfiro.
Se a primeira parte do filme, que apresenta, em literal profundidade, os personagens, é bem desenvolvida, talvez a falha de O Doce Avanço seja a sequência final, depois que Ana Clara se transforma em Fúria, “o terror dos fanáticos religiosos”. Tudo acontece muito rápido. Embora as cenas das mortes sejam inventivas, a sensação é que a caçada perpetrada por Fúria poderia ter sido mais trabalhada. Talvez um pouco mais de suspense e combates mais intensos. O filme bem poderia ter pelo menos uns vinte minutos a mais. Mas, obviamente, a falta de recursos e de tempo pode ter sido um empecilho. E essa sensação de “quero mais” que temos no final não deixa dúvidas de que o filme é realmente bom.
Enfim, é mais um clássico do Baiestorf. Explícito. Direto. Sem concessões. E assim sendo, não recomendado para conformistas e conservadores. Mas quem procura diversão e conteúdo forte vai saborear cada minuto...
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